sábado, 18 de junho de 2016

RETIRO DA PASTORAL FAMILIAR 2016 (parte 2)




3ª MEDITAÇÃO: CUIDAR DA VIDA EM FAMÍLIA

“Espero que cada um (...) se sinta chamado a cuidar com amor da vida das famílias...” (AL, 7)
Diz o papa na introdução da Amoris Laetitia. Mas isso requer um passo prévio que é cuidar com amor da VIDA EM FAMÍLIA. Uma vida em família bem cuidada é como um perfume que se difunde. São Paulo falava que nós, cristãos, devemos levar ao mundo o ‘bom odor de Cristo’ (cf. IICor 2, 15). Devemos levar ao mundo -- tão carente -- o bom odor da vida em família também. Como pretendo ajudar outras famílias se eu não consigo cuidar da minha própria família?! Esse tema é tão amplo que não se esgota. Por isso, me restrinjo a três pontos.

1) CUIDAR DO AMBIENTE FAMILIAR para que seja um ambiente de Amor e de amor. Ter os dois amores, o Amor a Deus e o amor ao próximo que não são alheios entre si, nem simplesmente sobrepostos. O Amor a Deus se manifesta no amor ao próximo e o amor ao próximo nos ajuda a amar mais a Deus.
Pensemos na parábola do filho pródigo. O pai ao ver o filho chegando, o que o pai faz? Espera? Não. Sai correndo ao seu encontro e o acolhe. Com o mesmo coração fraco e limitado que amamos ao próximo, somos convidados amar também a Deus. Inspirados na Sagrada Escritura somos convidados a fazer essa oração: “Arrancai de mim, Senhor, o coração de pedra e dai-me um coração de carne.” (cf. Ez 36,26). O papa Francisco já nos exortava a não termos medo da ternura. Uma pena que com o passar dos anos a vida em família é pautada num perigoso “acostumamento”. Nos acostumamos com a rotina, com as pessoas... nada se renova e tudo cai na monotonia. Monotonia na família que acaba se refletindo na monotonia na vida espiritual. Em vez de ser um amor crescente, torna-se um amor minguante por puro descuido. A vida em família deve primar pelos detalhes esmerados da convivência humana.
Reflitamos com a Amoris Laetitia (319):

“No Matrimônio, vive-se também o sentido de pertencer completamente a uma única pessoa. Os esposos assumem o desafio e o anseio de envelhecer e gastar-se juntos, e assim refletem a fidelidade de Deus. Esta firme decisão, que marca um estilo de vida, é uma «exigência interior do pato de amor conjugal»,  porque, «quem não se decide a amar para sempre, é difícil que possa amar deveras um só dia».  Mas isto não teria significado espiritual, se fosse apenas uma lei vivida com resignação. É uma pertença do coração, lá onde só Deus vê (cf. Mt 5, 28). Cada manhã, quando se levanta, o cônjuge renova diante de Deus esta decisão de fidelidade, suceda o que suceder ao longo do dia. E cada um, quando vai dormir, espera levantar-se para continuar esta aventura, confiando na ajuda do Senhor. Assim, cada cônjuge é para o outro sinal e instrumento da proximidade do Senhor, que não nos deixa sozinhos: «Eu estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).”

O cuidado e a delicadeza no amor ao próximo se reflete no amor a Deus. Se não conseguimos isso não é por gênio mas por falta de relacionamento com Deus.
 No número 320 da Exortação, lemos:

“Há um ponto em que o amor do casal alcança a máxima libertação e se torna um espaço de sã autonomia: quando cada um descobre que o outro não é seu, mas tem um proprietário muito mais importante, o seu único Senhor. Ninguém pode pretender possuir a intimidade mais pessoal e secreta da pessoa amada, e só Ele pode ocupar o centro da sua vida. Ao mesmo tempo, o princípio do realismo espiritual faz com que o cônjuge não pretenda que o outro satisfaça completamente as suas exigências. É preciso que o caminho espiritual de cada um – como justamente indicava Dietrich Bonhoeffer – o ajude a « desiludir-se » do outro,  a deixar de esperar dessa pessoa aquilo que é próprio apenas do amor de Deus. Isto exige um despojamento interior. O espaço exclusivo, que cada um dos cônjuges reserva para a sua relação pessoal com Deus, não só permite curar as feridas da convivência, mas possibilita também encontrar no amor de Deus o sentido da própria existência. Temos necessidade de invocar cada dia a ação do Espírito, para que esta liberdade interior seja possível.”

No amor não existem pronomes possessivos. Na verdade, a esposa não é “minha”, nem o marido, nem os filhos são “meus”... são dons de Deus que precisamos cuidar para devolver pra Ele. E como só Deus é perfeito, não esperemos perfeição dos outros. Quando vivemos assim, querendo apenas nos doar aos outros, exalamos o perfume de Cristo.

2) O segundo ponto é buscar a ALEGRIA DA VIDA EM FAMÍLIA. Onde? Na Lapa? Em viagens excêntricas? Por que os jovens gostam tanto de baladas? Porque nossa casa parece um velório! Vão buscar fora de casa, o que não tem dentro. São Paulo nos diz: “Não vos esqueçais da hospitalidade, pela qual alguns, sem o saberem, hospedaram anjos.” (Hb 13, 1-2)
É preciso saber acolher as pessoas como elas são e saber recolher seus cacos, ou seja, seus defeitos. Precisamos dar um bom exemplo de um amor que vale a pena ser vivido. Hoje em dia se curte, comenta e compartilha tanta coisa no Facebook... e em casa? Um dos momentos mais alegres da vida em família é jogar conversa fora na sala de estar (sala de estar, de ficar e não de “passar”). O interesse pelos assuntos e pela vida do outro torna o ambiente alegre e acolhedor. Mas para isso, precisamos sair de nós mesmos para nos importamos com o outro.

3) Cuidar da vida em família para que seja um AMBIENTE CHEIO DE VIDA. ‘Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.’ (Jo 10, 10). A influência negativa de certos programas externos é inversamente proporcional à qualidade de vida daquela família. O vazio atrai. Se não há vida plena, algo vai ocupar o lugar... o egoísmo, o consumismo e outros tipos de compensações econômicas, sentimentais... Se não há vida agradável, se enchem os armários e as carteiras. Falta vida social dentro de casa. Tratar os outros não só com caridade, mas também com carinho. Uma vida familiar cheia de momentos interessantes impede que entrem as drogas, as traições... de carinho em carinho vamos enchendo a vida familiar daquilo que atrai. Se estamos tão sedentos de carinho e compreensão, quando esses nos faltam, agimos com os gatinhos famintos qualquer a mão estendida seguem. Quantas vezes se dá mais carinho as plantas e animais que as pessoas.
Carinho é ter a capacidade e sentir o coração do outro com seus movimentos de sístole e diástole. Movimentos de contração e relaxamento. Dando e recebendo. Carinho é cuidar dos outros e deixar-se cuidar. Pela experiência sacerdotal já vi muitas vezes que é mais difícil deixar-se amar que amar o outro. Deixar-se cuidar que cuidar dos outros. O que o outro quer dar, deixe-o dar. O que o outro quer fazer, deixe-o fazer. Como é bom voltar pra casa depois de um dia difícil e saber que encontraremos um remanso de paz e carinho. Saber que vamos encontrar um sorriso, um abraço, conversas amenas... a vida familiar é cheia de vida quando é leve e suave e nos revigora para enfrentar mais um dia de vida dura.
Para cuidar das famílias não precisamos fazer cursos, congressos, bailes... o principal na Pastoral Familiar é que a minha família seja modelo para as outras famílias. Com um amor que não é oficial ou "pro forma", mas que é cheio de carinho. O egoísmo deixa um rescaldo de tristeza. A doação traz um fruto maravilhoso que é a alegria de viver junto. Que as pessoas percebam que o carinho é a lei da alegria familiar e sintam em nós o bom odor da família de Nazaré.




4ª MEDITAÇÃO: PREENCHER OS VAZIOS FAMILIARES

Um conto de Guimarães Rosa, muito interessante sobre o “nada”, mostra uma senhora entrando numa loja e pedindo tecido para remendos. Ao que o vendedor responde: “De que cor são os buracos?”
Ora, os buracos não tem cor. Quando se deixa de viver o que é devido e de vida vão acontecendo buracos na responsabilidade familiar, no relacionamento conjugal, na vida cristã, na educação dos filhos, vários buracos no tecido que compõe a vida familiar. E se é verdade (e é mesmo) que as ações são atos de amor, então as omissões são “desamores”. Não basta ter uma boa razão para fazer o bem, é preciso ter amores fortes para evitar as omissões.
Nesse mundo de individualismo, utilitarismo, consumismo temos que ter cuidado para não fazermos um “projeto de Deus”, mas ao nosso jeito. Há um provérbio bem conhecido, mas o mais surpreendente é o autor desse provérbio: “O caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções.”. Seu autor? Karl Marx. Será que ele tinha um conceito verdadeiro de boas intenções? Não sabemos. Se por “boas intenções” ele se referia ao projeto de Deus, ele está errado. Mas se boas intenções são apenas palavras bonitas que não levam a nada, então, ele está certo.
Em meditações de São Josemaria Escrivá sobre a Via sacra, numa das estações, ele fala sobre uma das quedas de Cristo que se deve a todo mal que eu fiz e todo bem que eu deixei de fazer. Não sabemos se o pior é fazer o mal ou deixar de fazer o bem.
Sei que este não é um tema muito agradável, mas que temos que encarar a sério. A omissão vai causando em nós buracos. Buracos nas iniciativas, omissão com um nome muito bonito: os adiamentos – “amanhã, depois, mais tarde, quando eu me aposentar...”. Omissão na boa formação humana e cristã (formação essa que não termina nunca)... A vida é muito mutável, nunca serei PHD em família, nem especialista em moral, em ética...
Quem pode fazer o bem e não faz por preguiça já está cometendo um mal. Mas quem pode fazer o bem e se omite está fazendo um mal muito pior e as omissões familiares são muito mais sérias do que possamos imaginar. E seus remorsos são mais dolorosos que o das confissões. E começamos a criar ladainhas: “Eu deveria ter feito isso..., deveria ter dito isso... deveria ter corrigido... onde foi que eu falhei?”. Pode parecer absurdo, mas é preferível pecar fazendo o mal do que omitir num bem que não deveria ser adiado. De um mal, Deus pode tirar um bem na sua misericórdia, mas de um buraco, de uma omissão, falta até a base. O mal é a falta de um bem devido, mas a omissão é um buraco negro.
Qual é a causa das omissões na vida? Uma delas é agir como João e Tiago (Mc 10, 35-40):

“Nisso Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: "Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir". "O que vocês querem que eu faça?", perguntou ele. Eles responderam: "Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda". Disse-lhes Jesus: "Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que estou sendo batizado?" "Podemos", responderam eles. Jesus lhes disse: "Vocês beberão o cálice que estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados".

Não tinham a dimensão do “Podemos..”. Um “podemos” fraco com o qual responderam a Jesus.
Uns dizem: “Eu posso ir contra a correnteza”... mas é um “posso” tão fraco que acabamos mudando de ideia. A omissão é fazer menos do que podemos.  Cada um de nós recebeu muitos talentos. Lembremos da parábola dos talentos que Jesus contou. Temos a inteligência, a liberdade, os sacramentos, os dons do Espírito Santo, as virtudes, graças atuais, os exemplos de Santos reconhecidamente canonizados ou não.
Posso sempre fazer mais mesmo que não seja o que está na correnteza da cultura atual. Eu posso ter uma família mais dentro do projeto de Deus. Meu lar pode ser mais sóbrio, menos consumista.
No número 57 da Amoris Laetitia, lemos: 

“Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e continuam para diante embora caiam muitas vezes ao longo do caminho. Partindo das reflexões sinodais, não se chega a um estereótipo da família ideal, mas um interpelante mosaico formado por muitas realidades diferentes, cheias de alegrias, dramas e sonhos. As realidades que nos preocupam, são desafios. Não caiamos na armadilha de nos consumirmos em lamentações autodefensivas, em vez de suscitar uma criatividade missionária. Em todas as situações, « a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. (...) Os grandes valores do Matrimônio e da família cristã correspondem à busca que atravessa a existência humana ».  Se constatamos muitas dificuldades, estas são – como disseram os bispos da Colômbia – um apelo para «libertar em nós as energias da esperança, traduzindo-as em sonhos proféticos, ações transformadoras e imaginação da caridade».”

Tentamos nos defender das nossas omissões. Temos uma missa muito importante de formarmos uma família própria e ajudar outras famílias com a força da nossa liberdade. Como a piada daquele homem que dizia ser tão fraco que seu coração não batia, apanhava.
Peçamos perdão a Deus, inclusive na confissão, por todo mal que eu fiz e por todo bem que eu deixei de fazer. Por trás de todos aqueles que fazem o mal, houve alguém omisso que não soube cuidar, corrigir e aconselhar. Na história há muita gente responsável por uma atuação ou omissão em cadeia.
Em todo capítulo 4 da Amoris Laetitia, o Papa nos apresenta um bom exame de consciência baseado em I  Cor 13. Começa falando da omissão da caridade na paciência.

“A primeira palavra usada é « macrothymei ». A sua tradução não é simplesmente « suporta tudo », porque esta ideia é expressa no final do versículo 7. O sentido encontra-se na tradução grega do texto do Antigo Testamento onde se diz que Deus é « lento para a ira » (Nm 14, 18; cf. Ex 34, 6). Uma pessoa mostra-se paciente, quando não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir. A paciência é uma qualidade do Deus da Aliança, que convida a imitá-Lo também na vida familiar. Os textos onde Paulo usa este termo devem ser lidos à luz do livro da Sabedoria (cf. 11, 23; 12, 2.15-18): ao mesmo tempo que se louva a moderação de Deus para dar tempo ao arrependimento, insiste-se no seu poder que se manifesta quando atua com misericórdia. A paciência de Deus é exercício da misericórdia de Deus para com o pecador e manifesta o verdadeiro poder.” (AL, 91)

Um belo capítulo para fazermos um exame de consciência sobre nossos silêncios acusativos e nossas máscaras. A caridade é serviçal, prestativa. Não é interesseira. Em quantas ocasiões temos a oportunidade de servir, mas queremos ser servidos! Por que é sempre o outro que tem que colocar as coisas em ordem? Não omitir-se na formação dos filhos neste sentido também. Não só falando e pedindo, mas dando bom exemplo.

“Deste modo Paulo pretende esclarecer que a « paciência », nomeada em primeiro lugar, não é uma postura totalmente passiva, mas há-de ser acompanhada por uma atividade, uma reação dinâmica e criativa perante os outros. Indica que o amor beneficia e promove os outros. Por isso, traduz-se como « prestável ».
No conjunto do texto, vê-se que Paulo quer insistir que o amor não é apenas um sentimento, mas deve ser entendido no sentido que o verbo « amar » tem em hebraico: « fazer o bem ». Como dizia Santo Inácio de Loyola, « o amor deve ser colocado mais nas obras do que nas palavras ».  Assim poderá mostrar toda a sua fecundidade, permitindo-nos experimentar a felicidade de dar, a nobreza e grandeza de doar-se superabundantemente, sem calcular nem reclamar pagamento, mas apenas pelo prazer de dar e servir.” (AL, 93-94)

Hoje em dia com todas as questões do politicamente correto sumiram as placas de “entrada de serviço e elevador de serviço”. Mas estas não deveriam ser apenas para funcionários e empregados mas deviam valer para todos nós que servimos.
Uma das tendências fortes em nós e que é fruto do pecado original é a vontade de mandar. Porque ninguém quer servir! Bom roteiro para fazer o exame de consciência no serviço.

“Amar é também tornar-se amável, e nisto está o sentido do termo asjemonéi. Significa que o amor não age rudemente, não atua de forma inconveniente, não se mostra duro no trato. Os seus modos, as suas palavras, os seus gestos são agradáveis; não são ásperos, nem rígidos. Detesta fazer sofrer os outros. A cortesia « é uma escola de sensibilidade e altruísmo », que exige que a pessoa « cultive a sua mente e os seus sentidos, aprenda a ouvir, a falar e, em certos momentos, a calar ».  Ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor, por isso « todo o ser humano está obrigado a ser afável com aqueles que o rodeiam ».  Diariamente « entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza duma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. (...) E quanto mais íntimo e profundo for o amor, tanto mais exigirá o respeito pela liberdade e a capacidade de esperar que o outro abra a porta do seu coração ».” (AL, 99)

Quais têm sido minhas omissões na amabilidade? Por isso, o Papa precisou lembrar das palavras "por favor, desculpe e obrigado" como as indispensáveis para a vida em família e em sociedade. Como os maus exemplos são contagiosos, também assim é a omissão.
Que esta meditação do final do dia tenha em nós um efeito positivo para estimular em nós um exame de consciência e uma profunda mudança de atitudes. "A messe é grande, mas os operários são poucos." (Lc 10, 2), porque muitos se omitem. Que desperte nossa consciência.
Sempre há alguém que podemos convidar, instruir...

Eu não estaria aqui hoje se o colega que sentava atrás de mim não tivesse insistido tanto para eu ir assistir a palestra de um padre. Era Dom Rafael Llano Cifuentes.  Na época, padre Rafael. Meu amigo insistiu tanto... que acabei aceitando ir na palestra de um padre num sábado a noite... E por isso, hoje estou aqui. Não podemos nos omitir! Muitas pessoas se beneficiarão. Converter-se não é só deixar de fazer o mal, mas é também fazer o bem que outrora deixamos de fazer.

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